segunda-feira, 6 de maio de 2013


Sustenidos e bemóis. Ou de como o prefeito do Rio saiu do tom

por Anna Ramalho
anna-ramalho-jornalista


Amo o meu trabalho, a profissão  que escolhi, por isso atravesso este dia 1º de maio com alegria.  E trabalhando, pra variar um pouco. Não me vejo fazendo outra coisa que não reportar fatos – e tentar fazê-lo da maneira mais agradável para quem me lê no jornal, no site, nas redes sociais. É uma tremenda responsabilidade – e um prazer. Ainda é um prazer, apesar dos pesares. Ser jornalista no Brasil não é bolinho, não.
Saio no dia ensolarado a passear com o cão companheiro, meu Bubinho, flanando sem pressa por um cenário que é só beleza, que resiste aos maus tratos e aos mal feitos os mais variados, cidade soberana, toda prosa, porque só ela em todo o mundo é a Cidade Maravilhosa. Iphone em sua função Ipod, vou ouvindo trilha sonora especial: Nara, Tony Bennett, Chico, Sinatra, Bethânia, Tom, Yves Montand, Nana, Gil, Caetano, enquanto passeio pelas ruas arborizadas desse Jardim Botânico abençoado pelo Cristo Redentor. Nenhuma vontade de parar de andar, afinal quem estaria mais bem acompanhada?
O pensamento não para. Sempre foi assim. Mamãe já dizia “minha filha, você pensa demais!” Flagro a lata de lixo da rua transbordando. Ora, não é esta a mais recente novidade do prefeito? Multar quem joga lixo na rua? Aplaudo. Tudo para tornar minha cidade mais bela. Mas não será com essas caçambinhas mixurucas que o problema será resolvido.  Quem vai limpá-las e com que constância?  E quem vai fiscalizar os fiscais do lixo? Quem vai evitar que se molhe a mão do funcionário que vier com o talão de multas flagrar o porcalhão da vez? Isso é Brasil, afinal de contas. E Rio de Janeiro, ainda por cima.
Lixeira transbordando no Jardim Botânico

No flagrante do Instagram, a lixeira transborda na esquina das Ruas Lopes Quintas e Corcovado
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Continuo a caminhada, quando entra no aparelho um comovente Noturno de Chopin no meio dos meus cantores populares. Uma nuvem fecha temporariamente o tempo, enquanto me deleito com a música. Que mancada deu nosso prefeito, passista da Portela, roqueiro entusiasmado, com essa história de cortar o patrocínio da Orquestra Sinfônica Brasileira! Como é que a turma de conselheiros deixou nosso jovem alcaide desafinar desse jeito??? Tenho cá pra mim, que o Eduardo Paes tem um horror tão grande da Cidade da Música criada por seu antecessor, que até inconscientemente boicota a própria e tudo o que possa lembrá-la. Freud explica.
Orquestra Sinfônica Brasileira

Acho que no fundo, no fundo, Paes teria vontade de implodir aquela obra faraônica que sempre será um marco – ainda que até hoje não tenha dito verdadeiramente  a que veio – do governo Cesar Maia. Certa vez cheguei a lhe perguntar isso,  num programa de TV à época da primeira eleição, quando se discutia os milhões gastos numa obra que, naquele momento, estava parada, praticamente um point para encontro dos mosquitos da dengue.  Ele negou veementemente, é claro. Nenhuma pessoa de bom senso daria uma de Nero pra tacar fogo em obra que custou os olhos da cara pagos, na forma de costume, com o nosso rico dinheirinho. Muito menos em tempos de eleição.
Realmente acredito que inconscientemente ele boicota a Cidade da Música – e, agora, todos aqueles que poderiam fazer o mastodonte finalmente servir de palco à boa música clássica, aos grandes concertos para os quais ela foi construída. No meio disso tudo,  a constatação:  faltou assessoria a Sua Excelência. A entrevista que deu sobre o assunto foi desastrosa. A essa altura da Traviata, é melhor deixar o moço no pagode mesmo. E no Rock in Rio, claro.  Tá de bom tamanho.
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Meu amigo Rafael Fonseca, tão jovem quanto o prefeito, é um expert em música clássica. Professor de dez entre dez estrelas da sociedade carioca, botou  a boca no trombone ontem. Reproduzo aqui seu desabafo no Facebook: “ O prefeito Eduardo Paes acha que duas orquestras é muito para  a cidade. Sugere a unificação. Vamos ajudar o prefeito pedindo também que se unifique as escolas de samba e times de futebol, ficando a cidade com apenas um de cada um.”
Pra quem gosta de pensar, como eu, a proposta do Rafael é um prato cheio. Sirva-se, prefeito – e durma, se puder, com a barulheira desafinada que causou.

Anna Ramalho é colunista do Jornal do Brasil, criadora e editora do sitewww.annaramalho.com.br e cronista sempre que pode.

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